sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Formas de resistência no Brasil


O Tráfico Negreiro
A partir da segunda metade do século XVI, começaram a ser trazidos para a América os africanos como escravos em número expressivo para a exploração sistemática de sua mão-de-obra.

Escravos à venda no mercado do Valongo, junto ao porto do Rio de Janeiro. Gravura de W. Read, século XIX.



A opção pelo africano se deu por algumas supostas vantagens: maior resistência física às epidemias e maiores conhecimentos em trabalhos artesanais e agrícolas. A opção pelo escravo africano se deu também porque o tráfico dava lucros, era uma das atividades mais lucrativas do sistema colonial. Para facilitar, nem o Estado nem a igreja católica condenavam a imposição da escravidão aos africanos.



Porão de Navio Negreiro. Gravura de Rugendas, 1835.

Os portugueses transportavam os escravos em suas caravelas vindas da África. Os holandeses também realizavam o tráfico de escravos para o Brasil. O número de escravos embarcados dependia da capacidade da embarcação. Nas caravelas, os portugueses transportavam até 500 cativos. Um pequeno navio podia transportar até 200 escravos, um navio grande até 700.

A bordo, todos os escravos eram marcados a ferro no ombro ou na coxa. Embarcados, os cativos são acorrentados até que se perca de vista a costa da África. Os navios negreiros embarcavam mais homens do que mulheres. O número de crianças era inferior, de 3% a 6% dos embarcados.


Angola (África Centro-Ocidental) e a Costa da Mina (todo o litoral do Golfo da Guiné) eram até o século XVIII os principais fornecedores de escravos ao Brasil. Os principais grupos étnicos africanos trazidos ao Brasil foram os bantos, oriundos de Angola, Golfo da Guiné e Congo; os sudaneses, originários do Golfo da Guiné e do Sudão; e os maleses, sudaneses islamizados.




As rotas do tráfico de Escravos africanos para as Américas e Brasil.

Durante o século XVI e o XVII, os escravos eram trazidos principalmente ao Nordeste para a atividade açucareira, sobretudo, para fazendas na Bahia e em Pernambuco. Em menor número eram enviados ao Pará, Maranhão e Rio de Janeiro. No final do século XVII, a descoberta do ouro na província de Minas Gerais eleva o volume do tráfico, que passa a levar os cativos para a região das minas. No século XVIII, o ouro sucede o açúcar na demanda de escravos, o café substitui o ouro e o açúcar no século XIX.


Entre a segunda metade do século XVI e 1850, data do fim do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queiroz), o número de escravos vindos para o Brasil é estimado entre 3 500 000 e 3 900 000. O Brasil teria importado 38% dos escravos trazidos da África para o Novo Mundo.


Os escravos a bordo estavam sujeitos a todos os riscos. Sua alimentação era escassa. Não fazia exercícios físicos durante a viagem. A higiene a bordo era muito medíocre. Havia ainda os maus-tratos a bordo e a superlotação dos porões insalubres e infectos.


Trinta e cinco dias durava a viagem de Angola a Pernambuco, quarenta até a Bahia, cinqüenta até o Rio de Janeiro. A mortalidade era alta a bordo. 20% dos escravos morriam durante essa longa viagem.


A partir da década de 1840, a Inglaterra começa a sua guerra contra o tráfico de escravos para o Novo Mundo, alegando razões humanitárias, mas na verdade com a finalidade de ampliar o mercado consumidor de seus produtos industrializados. É aprovada na Inglaterra a lei conhecida como Bill Aberdeen, que dava direito a Marinha de Guerra britânica de prender navios negreiros no Atlântico e julgar seus tripulantes.


Sob pressão inglesa, o governo imperial brasileiro promulga a 4 de setembro de 1850, a lei Eusébio de Queiroz, que extinguia o tráfico de africanos para o Brasil. Com a ilegalidade do tráfico, a alternativa foi a intensificação do tráfico inter-regional e interprovincial de escravos. Assim, no século XIX, os cativos vinham principalmente das províncias do Norte e Nordeste para suprir as necessidades de mão-de-obra do Sudeste cafeeiro.





Ser escravo no Brasil
A característica mais marcante da escravidão é o fato do escravo ser propriedade de outro ser humano. O escravo é uma “propriedade viva”, sujeita ao senhor a quem pertence. Nesta situação, o escravo é uma coisa, um “bem” objeto.


Sendo um bem objeto ou coisa do senhor, ou seja, sua propriedade, o escravo se tornava mercadoria de todos os tipos de transações nas relações mercantis. Assim, pelo direito de propriedade, o senhor podia vender seus escravos, alugá-los, emprestá-los, doá-los, transmiti-los por herança ou legado, penhorá-los, hipotecá-los, exercendo, enfim, todos os direitos legítimos de dono e proprietário.


Assim, o senhor tinha o direito de utilizar a força de trabalho do escravo pelo modo que lhe conviesse, de modo a conseguir dele o maior proveito possível, assegurando em troca a subsistência necessária para sua manutenção.


Equiparando-se às coisas e propriedade de outra pessoa, o escravo não era cidadão, sendo privado de quaisquer direitos civis. O escravo podia constituir família, mas continuava marido, mulher e filhos propriedade do senhor, que não podia, no entanto, separar os cônjuges e os filhos menores de 15 anos.




Texto e Contexto

“Os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda.”
(Do jesuíta italiano André João Antonil, Cultura e opulência do Brasil, 1711.)



A escravidão no Brasil estava voltada, sobretudo, para as atividades agrárias. A força de trabalho escrava destinava-se aos estabelecimentos agrícolas nas regiões rurais onde residiam, habitando em senzalas. O escravo rural assenzalado foi predominante no Brasil.


Na economia canavieira, a maioria dos escravos trabalhava em todo o processo de produção, na lavoura e na produção do açúcar. No engenho, onde se fabricava o açúcar, trabalhavam na moenda, na casa das caldeiras e na casa de purgar. Além do setor da produção de açúcar, foi empregado também na agricultura de abastecimento interno, na criação de gado e nas pequenas manufaturas. Trabalhavam muito, de quatorze a dezesseis horas.


Escravos na moenda de açúcar. Gravura de Jean Baptiste Debret, 1835.

Nas cidades, a sorte para o escravo parece ter sido menos dura, e o seu emprego se diversificava. Nas ruas, alguns possuíam liberdade de locomoção, o que era negado a todos os escravos rurais. Podiam até, mediante negociação com seu senhor, residir em domicílio separado.

Nas cidades, eram os escravos que se encarregavam do transporte de objetos, dejetos e pessoas, além de serem responsáveis por uma considerável parcela da distribuição do alimento que abastecia pequenos e grandes centros urbanos.


Alguns trabalhavam na residência do senhor, a serviço da família em serviços domésticos. Nas cidades, mestres artesãos utilizavam também escravos treinados em trabalhos artesanais, por isso tais escravos eram geralmente mais caros.


Havia ainda aqueles escravos que trabalhavam nas ruas, prestando serviços, realizando trabalhos manuais ou vendendo artigos, alimentos, etc. Até o século XIX, nos portos das cidades, os escravos organizados em grupos de dez ou vinte eram muito utilizados nas atividades de manuseio e transporte de carga.


Escravos vendedores ambulantes e quitandeiros, sobretudo mulheres, povoavam as ruas de Recife, Salvador, Ouro Preto, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e outras cidades. No Brasil, esses escravos eram chamados de escravos de ganho, que percorriam as ruas das cidades atrás de ocupação para prover as necessidades de seu senhor e suas próprias. Estes escravos entregavam uma renda fixa por dia para seu senhor, fruto de seu trabalho, e o restante podiam guardar consigo. Os escravos podiam possuir bens móveis e dinheiro. A renda adquirida podia ser utilizada para a compra da alforria (a liberdade) pelo escravo, a chamada manumissão. Esta podia ser comprada ou doada do senhor, se está fosse sua vontade, ou seja, a liberdade através da manumissão era um ato que dependia da boa vontade do senhor, salvo em alguns casos determinados por lei.




Escravos de ganho no Rio de Janeiro, 1860.


Castigos e violência
Uma das características do regime escravocrata é o que confere ao senhor o direito privado de castigar fisicamente o escravo. A exploração da força de trabalho escrava requeria necessariamente mecanismos de coerção que garantissem a continuidade do trabalho. A relação entre senhor e escravo era, assim, marcada pela violência. Do ponto de vista da escravidão, o castigo do escravo era necessário e justo.


Texto e Contexto
“É lamentável, em todo caso, a sorte desses negros. Eles sabem que são espoliados e isso deve tornar-lhes ainda mais amargos os espancamentos e outros maus tratos que sofrem. Também é preciso ter em mente que muitos negros deixam de trabalhar bem se não foram convenientemente espancados. E se desprezássemos a primeira iniqüidade a que os sujeitam, isto é, sua introdução e submissão forçada, teríamos de considerar em grande parte merecidos os castigos que lhes impõem os seus senhores.”
(Do colono suíço Thomas Davatz, sobre o castigo sofrido pelos escravos no século XIX. DAVATZ, Thomas. Memórias de um Colono no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Livraria Martins Ed., 1951. pp. 62-63)

O sistema escravocrata possuía os mais bárbaros instrumentos de tortura como forma de manter, pelo terror, a dominação sobre os negros. A palmatória foi instrumento de castigo aplicado nas casas-grandes e senzalas, em escravos, assim como nas crianças, sendo um método pedagógico utilizado para moldar comportamentos e hábitos.





Escravo no pelourinho sendo açoitado. Gravura de Debret, 1835.

O açoite era a pena aplicada ao escravo, usava-se para isso do “bacalhau”, chicote feito com cabo de madeira e de cinco tiras de couro retorcidos ou com nós. Nas fazendas era utilizado para punir pequenas faltas ou acelerar o ritmo de trabalho, com algumas lambadas. Nos casos de delitos graves, o castigo era exemplar, sendo assistido pelos demais escravos. Era comum a surra-de-carro, no qual ficava o negro amarrado em um carro de boi, de bruços e braços abertos para receber as chicotadas.



Escravos no tronco. Debret, 1835.
As execuções oficiais eram feitas em praça pública, no pelourinho – coluna de pedra com argolas onde eram presos os escravos. Procurava-se fazer da punição um exemplo que intimidasse a escravaria.




O tronco. Acervo do Museu Imperial, Rio de Janeiro.

O tronco foi outro instrumento e tortura, consistia num grande retângulo de madeira dividido em duas partes entre as quais havia buracos destinados a prender a cabeça, os pulsos e os tornozelos do escravo. Preso, o escravo permanecia imóvel, indefeso aos ataques de insetos e ratos, em contato com sua urina e fezes, isolado num barracão, até o seu senhor resolver soltá-lo.

A mascara de flandres era usada para punição de furto de alimentos, alcoolismo, ingestão de terra, e, na mineração de diamantes, para impedir que os negros extraviassem as pedras, engolindo-as. A mascara podia cobrir todo o rosto ou apenas a boca, sendo fechada a cadeados por trás da cabeça.



Escravo com mascara de flandres. Debret, 1835.
Usados para prender, transportar, maltratar ou sujeitar os escravos, os instrumentos de ferro faziam parte do patrimônio das fazendas e das casas. Eram correntes, algemas, cadeados, grilhões, colares, tudo para garantir a submissão dos negros escravos pela tortura e degradação.



Os instrumentos de ferro de “castigos e penitências” usados para punir e submeter os escravos: algemas, palmatórias, gargalheiras (espécie de coleira presa ao pescoço do cativo), etc. Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.


Texto e Contexto
“Ver que os senhores têm cuidado de dar alguma coisa dos sobejos da mesa aos seus filhos pequenos, é causa de que os escravos os sirvam de boa vontade, e que se alegrem de lhes multiplicarem servos e servas. Pelo contrário, algumas escravas procuram de propósito aborto, para que não cheguem os filhos de suas entranhas a padecer o que elas padecem.”
(De André João Antonil. Cultura e opulência do Brasil, 1711.)




Rebeldia e Resistência negra no Brasil
A violência legal e sistematicamente utilizada pelo branco como meio de submeter o escravo, gerava o medo, mas também a revolta e formas de resistência por parte dos escravos submetidos a tais castigos cruéis. A reação do escravo assumiu várias formas.


O aborto foi freqüentemente provocado pelas escravas para não verem seus filhos na mesma situação degradante delas e também como meio de prejudicar o senhor, sempre interessado no aumento do número de crias.


Texto e Contexto
“O homem, porém, por mais abatido e rebaixado que seja em sua dignidade, em sua vontade e liberdade, pela prepotência de seu semelhante, tende sempre a sacudir o jugo. O livre promove as revoluções, transforma a sociedade, modifica a organização social. O escravo revolta-se parcialmente contra os senhores...”
(Perdigão Malheiro, A escravidão no Brasil, 1867.)


A reação pelo suicídio era uma forma do escravo em se libertar das condições subumanas em que vivia. O suicídio estava geralmente ligado a um momento de medo ou impasse em que o escravo se via indefeso diante da repressão do branco, sendo comum escravos se matarem após terem agredido ou matado um branco.


A rebeldia consistia a resposta do negro à violência do sistema escravista. Rebeldia está também respondida com violência pelos escravos. Eram comuns os casos em que feitores, senhores e seus familiares são estrangulados, asfixiados, esfaqueados ou simplesmente mortos a pancada pelos escravos.


O ódio do escravo era pelo senhor e pelo feitor, mas também por suas famílias, pois era um modo indireto de atingi-los. A freqüência de ataques e homicídios cometidos por escravos levou muitas vezes o governo brasileiro a promulgar leis duras, inclusive a pena de morte.




Texto e Contexto
“Serão punidos com pena de morte os escravos ou escravas, que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem qualquer outra grave ofensa física, a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes que em sua companhia morar, a administrador, feitor, e as suas mulheres que com eles viverem. Se o ferimento ou ofensa física forem leves, a pena será de açoites, a proporção das circunstâncias , mais ou menos agravantes.”
(Artigo 1°, da lei de 10 de junho de 1835, Governo Regencial.)




Escravos matam senhor. Desenho do século XIX, de Arago.



Os quilombos como espaço de resistência e liberdadeA forma de resistência escrava mais temida pelos senhores era a fuga seguida da formação de aldeamentos coletivos, os quilombos. A fuga era para o escravo a solução mais simples contra a violência da dominação branca. O trabalho compulsório e excessivo, as precárias condições de subsistência, a degradação e o controle constante a que estavam submetidos predispunham os escravos a evasão, facilitada pela grande extensão de terras sem ocupação efetiva no país.



Texto e Contexto
“Fugiu no dia 29 de junho passado uma preta de nação mina, ladina, bem falante, com os sinais seguintes: alta, magra, proporcionada, bonita, bem feita, e com bons dentes, levou camisa de algodão americano, vestido de riscadinho escuro, um lenço no pescoço e outro amarrado na cabeça, à maneira das pretas da Bahia, e um pano de riscado a costa com que se costuma embrulhar; ela anda pela cidade porque foi encontrada na rua do Ouvidor e no largo do Capim em companhia de uma outra preta mina que vende galinhas no largo do Capim e tem casa no Valongo, onde mora.”
(Diário do Rio de Janeiro, 16/07/1836.)

Muitos fugitivos iam para a cidade, onde eram empregados por outros senhores em serviços esporádicos, como se fossem escravos forros. O pequeno comércio ambulante era uma atividade que empregava esses escravos fugidos. Outros escravos fugidos eram capturados ou convencidos por outros negros para viverem em quilombos.

Anuncio da Fuga do escravo Fortunato. Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1854.


Erguidos nas matas ou em áreas de difícil acesso que oferecessem segurança e meios naturais de sobrevivência, os quilombos eram o grande refúgio dos escravos que conseguiam escapar da opressão. Os quilombos também abrigavam negros forros, índios, mulatos e caboclos.




Texto e Contexto
“Os escravos pretos lá, Quando dão com maus senhores, Fogem, são salteadores, e Nossos contrários são. Entranham-se pelos matos, E como criam e plantam, Divertem-se, brincam e cantam, De nada têm precisão.
Vêm de noite aos arraiais, E com indústrias e tretas, Seduzem algumas pretas, Com promessas de casar. Eis que a notícia se espalha, Do crime e do desacato, Caem-lhe os capitães-do-mato, E destroem tudo enfim.”
(De Joaquim José Lisboa, 1806; In: REIS, João J; GOMES, Flavio. Liberdade por um fio – história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 164-65.)



Os quilombos surgiram e cresceram em desafio aberto à sociedade e à autoridade colonial. Para enfrentar a repressão, os escravos aquilombados precisaram recorrer à violência e à luta armada. Os negros dos quilombos faziam freqüentemente incursões para prover, através do roubo ou escambo, suas necessidades de alimentos, utensílios, armas e também para conseguir, pelo rapto ou persuasão, mais negros para o quilombo. Outros buscavam desenvolver até mesmo relações com as povoações próximas, estabelecendo com elas um comércio regular com troca de alimentos, animais e lenha por tecidos, utensílios e ferramentas.


No século XVII, a desorganização da colônia portuguesa no Brasil causada pelas invasões holandesas no Nordeste canavieiro facilitou as fugas dos negros, intensificadas a partir de 1630. O quilombo era a melhor alternativa de defesa e sobrevivência do negro escravo fugido.

Os quilombos surgiram em todas as áreas do território português. Em Minas Gerais era grande a concentração de quilombos no Alto São Francisco, o mais famoso dele chamava-se Ambrósio. No século XIX, no Rio de Janeiro, o mais conhecido quilombo foi o liderado pelo escravo Manoel Congo, em Vassouras. Na região norte, no Grão-Pará, os quilombos surgiram sobretudo a partir do século XVIII, espalhando-se pelo baixo amazonas (atual região de Oriximiná, Óbidos, Alenquer), no Tocantins, na Ilha do Marajó e, principalmente, a leste da capital Belém.



O Quilombo dos Palmares.

Entre todos os quilombos do período colonial, os maiores e mais afamados foram os da região de Palmares, no sul da capitania de Pernambuco (hoje, norte de Alagoas). O quilombo de Palmares surgiu por voltada de 1602. Em seus vários mocambos (aldeamentos), espalhados por uma área de 150 km, chegaram a reunir, segundo estimativas, mais de vinte mil pessoas.

No quilombo, os negros africanos procuraram se organizar de acordo com antigas regras tribais baseadas na autoridade local do chefe de cada um dos mocambos. Esses chefes estavam submetidos a Ganga-Zumba, em cujo mocambo se reuniam. Com a morte Ganga-Zumba, assumiu o poder em Palmares seu sobrinho, Zumbi.

Zumbi, líder negro de Palmares. Tela de Antônio Parreiras, Museu Antônio Parreiras, Niterói, RJ.

Tanto por pressão dos senhores de terra preocupados em recuperar seus escravos, quanto por interesse das autoridades, o quilombo de Palmares foi destruído em 1694 pelas tropas do pernambucano Bernardo Vieira de Melo e do bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, após quase um século de guerras.

Os quilombos tornaram-se o símbolo de uma resistência ameaçadora para os grupos dominantes do Brasil e alvo permanente da repressão oficial, dando origem inclusive a leis violentas.




Texto e Contexto
“Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará em forma de lei virem, que sendo-me presente, os insultos que no Brasil cometem os escravos fugidos, a que vulgarmente chama de calhambolas, passando a fazer o excesso de se juntar em quilombos... hei por bem que a todos os negros, que forem achados em quilombos, estando neles vulgarmente, se lhes ponha uma marca em uma espádua com a letra F... se quando se for executar esta pena for achado já com a mesma marca se lhe cortará uma orelha; tudo por simples mandado do Juiz de Fora... sem processo algum...”
(Alvará de 03 de março de 1741.)



Texto Complementar



Tráfico Negreiro
Quando a escravatura trazida de muitas partes aos portos marítimos da África, aí é segunda vez permutada por fazenda e gêneros a comerciantes que ali têm casa de negócio assentada para este fim.


Nesta situação, a economia se conserva por semanas, e por meses a escravatura, e é grande a quantidade que dela morre; de sorte que, descendo a Luanda em cada ano de dez a doze mil escravos, muitas vezes sucede que só chegam a ser transportados de seis a sete mil para o Brasil.


Em primeiro lugar, sendo metidos duzentos e trezentos escravos na coberta e na escotilha, lhes falta a respiração, porque nada mais tem por onde o ar se lhes possa comunicar, senão pela grade da escotilha, e por umas pequenas frestas.


Em segundo lugar, a escravatura embarcada tem curtíssima ração de água, e esta amornada pela ardência do clima.


Em terceiro lugar, são maltratados os escravos porque tem uma escassa ração de mantimentos pela maior parte de torna-viajem.
(Luís Antônio de Oliveira Mendes. Memória a respeito dos escravos e tráfico da escravatura entre a Costa d’África e o Brasil, 1793. In: INÁCIO, Inês; LUCCA, Tânia Regina de. Documentos do Brasil Colonial. São Paulo: Ática, 1993. pp. 70-73.)


Herança Cultural Negra e Racismo

A contribuição cultural de escravos-negros é enorme. Na religião, música, dança, alimentação, língua, temos a influência negra, apesar da repressão que sofreram as suas manifestações culturais mais cotidianas.




Influência religiosa

No campo religioso, a contribuição negra é inestimável, principalmente porque os africanos, ao invés de se isolarem, aprenderam a conviver com outros setores da sociedade.


Mas, nos primeiros séculos de sua existência no Brasil, os africanos não tiveram liberdade para praticar os seus cultos religiosos. No período colonial, a religião negra era vista como arte do Diabo; no Brasil-Império, como desordem pública e atentado contra a civilização.


A tolerância com os batuques religiosos, entretanto, devia-se à conveniência política: era mantida mais como um antídoto à ameaça que a sua proibição representava, do que por aceitação das diferenças culturais.


Outras manifestações culturais negras também foram alvo da repressão. Estão neste caso o samba, revira, capoeira e lundú negros.





O racismo

Na sociedade brasileira do século XIX, havia um ambiente favorável ao preconceito racial, dificultando enormemente a integração do negro. De fato, no Brasil republicano predominava o ideal de uma sociedade civilizada, que tinha como modelo a cultura européia, onde não havia a participação senão da raça branca. Este ideal, portanto, contribuía para a existência de um sentimento contrário aos negros, pardos, mestiços ou crioulos, sentimento este que se manifestava de várias formas: pela repressão às suas atividades culturais, pela restrição de acesso a certas profissões, as “profissões de branco” (profissionais liberais, por exemplo), também pela restrição de acesso a logradouros públicos, à moradia em áreas de brancos, à participação política, e muitas outras formas de rejeição ao negro.

Contra o preconceito e em defesa dos direitos civis e políticos da população afro-brasileira surgiram jornais, como A Voz da Raça, O Clarim da Alvorada; clubes sociais negros e, em especial, a Frente Negra Brasileira, que tendo sido criada em 1931, foi fechada em 1937 pelo Estado Novo.



O samba e a capoeira

Durante o período da revolução de 30, os próprios núcleos de cultura negra se movimentaram para ganhar espaço. A criação das escolas de samba no final dos anos vinte já representara um passo importante nessa direção. Elas, que durante a República Velha foram sistematicamente afastadas de participação do desfile oficial do carnaval carioca, dominado pelas grandes sociedades carnavalescas, terminaram sendo plenamente aceitas posteriormente.


No rastro do samba, a capoeira e as religiões afro-brasileiras também ganharam terreno. Antes considerada atividade de marginais, a capoeira seria alçada a autêntico esporte nacional, para o que muito contribuiu a atuação do baiano Mestre Bimba, criador da chamada capoeira regional. Tal como os sambistas alojaram o samba em “escolas”, Bimba abrigaria a capoeira em “academias”, que aos poucos passaram a ser freqüentadas pelos filhos da classe média baiana, inclusive muitos estudantes universitários.

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